Autor: Dostoiévski


It is all in here.

Citações

“Nunca os homens, levados por nenhuma ciência e nenhuma vantagem, serão capazes de dividir pacificamente suas propriedades e seus direitos com os outros. Tudo será pouco para cada um deles e todos irão queixar-se, invejar e exterminar uns aos outros. O senhor pergunta quando isso vai acontecer. Acontecerá, mas antes deve concluir-se o período do isolamento humano” - “Que isolamento é esse” - pergunto - “É aquele que hoje reina em toda parte e sobretudo em nosso século, mas ainda não se concluiu inteiramente, nem chegou a sua hora. Porquanto hoje em dia qualquer um procura dar mais destaque à sua própria personalidade, deseja experimentar em si mesmo a plenitudade da vida, e, no entanto, em vez da plenitudade da vida todos os seus esforços resultam apenas no pleno suicídio, pois ele acaba caindo no pleno isolamento em vez de alcançar a plena determinação de sua essência. Pois que em nosso século todos se dividiram em unidades, cada um se isola em sua toca, cada um se afasta do outro, esconde-se, esconde o que possui e termina ele mesmo por afastar-se das pessoas e afastá-las de si mesmo. Acumula riqueza isoladamente e pensa: como hoje sou forte e como sou abastado! Mas o louco nem sabe que quanto mais acumula mais mergulha em sua loucura suicida. Porque se acostumou a esperar unicamente de si e separou-se do todo como unidade, acostumou sua alma a não acreditar na ajuda dos homens, nos homens e na humanidade, e não faz senão tremer diante do fato de que desaparecerão seu dinheiro e os direitos que adquiriu. Hoje, em toda parte, a inteligência humana zomba ao negar-se a compreender que a verdadeira garantia da pessoa não está em seu esforço pessoal isolado, mas na unidade geral dos homens. Contudo, é inevitável que também chegue o momento desse isolamento terrível, e todos compreenderão de uma vez como se separaram uns dos outros de forma antinatural. Essa já será uma tendência da época, e eles ficarão surpresos por terem passado tanto tempo nas trevas, sem enxergar a luz. Então aparecerá nos céus o sinal do filho do homem… Mas até esse dia é necessário proteger de quando em quando o estandarte a despeito de tudo, e o homem deve, ainda que individualmente, dar o exemplo e tirar a alma do isolamento para realizar a proeza de um convívo fraternal, mesmo que o faça na condição de iuródiv. Isso para que nao morra a grande ideia…”

Pag 349

Era uma vez uma mulher perversa demais,e ela morreu. E não deixou de lembraça nenhuma boa ação. Os diabos a agarraram e a laçaram no lago de fogo. Mas seu anjo da guarda estava a postos e pensava: preciso me lembrar de alguma obra virtuosa praticada por ela para contar a Deus. Lembrou-se de uma e contou a Deus: ela, diz ele, arrancou uma cebolinha de sua horta e deu a um pedinte. E Deus lhe responde: pega essa mesma cebolinha, diz Ele, estende-a para ela no lago, para que ela a agarre e tente sair; e se conseguires tirá-la do lago, então que ela vá para o paraíso; mas se a cebolinha arrebentar a mulher ficará lá onde está agora. O anjo correu para a mulher, estendeu-lhe a cebolinha: pega, mulher, diz ele, agarra-te e sai. E começou a puxá-la cuidadosamente, e já quase conseguira tirá-la quando outros pecadores do lago, vendo que ela estava sendo tirada, começaram todos a agarrar-se a ela para serem tirados juntos. Mas a mulher era perversa demais, e começou a escoiceá-los: É a mim que estão tirando e não a vocês, a cebolinha é minha e não de vocês. Mal ela pronunciou essas palavras a cebolinha arrebentou. E a mulher caiu no lago e lá está artendo até hoje. E o anjo chorou e foi embora.

Pág 403

E ele, como muitos em tais circunstâncias, sempre acreditava mais na mudança de lugar: era só não haver essa gente, era só não haver essas circunstâncias, era só voar desse lugar maldito e - tudo renasceria, ganharia um novo sentido! Eis em que ele acreditava e como que se afligia.

Pág 417

Lembro-me de que, bem antes do julgamento, muita gente de nossa sociedade se perguntava com surpresa, principalmente as senhoras: “Será que um caso tão delicado, complexo e de cunho psicológico pode ficar à mercê da decisão fatal de certos funcionários e, enfim, de mujiques?”; e “o que um funcionário qualquer, e ainda mais um mujique, vai compreender nesse caso?” Com efeito, todos esses quatro funcionários que compunham o corpo de jurados eram gente miúda, de baixa burocracia, grisalhos - só um deles levemente mais jovem -, poucos conhecidos em nossa sociedade, que vinham vegetando com poucos vencimentos, tinham, quiçá, esposas velhas inapresentáveis onde quer que fosse, uma penca de filhos, talvez até descalços, encontravam num joguinho de baralho em algum lugar o máximo com que distrair seu ócio e, naturalmente, nunca haviam lido um único livro.

Pág 740

Na vida costuma acontecer que, diante de dois opostos, deve-se procurar a verdade no meio; no presente caso é extamente o oposto. O mais provável é que, no primeiro caso, ele tenha sido sinceramente nobre, e tão sinceramente vil no segundo. Por quê? Justamente porque somos naturezas amplas, karamazovianas - pois é nesse sentido que conduzo a questão -, capazes de encerrar todas as oposições possíveis e contemplar de uma vez ambos os abismos, um abismo que está acima de nós, o abismo da queda mais vil e funesta. Lembremos uma ideia brilhante que acabou de ser expressa por um jovem observador, que contemplou a fundo e de perto toda a família Karamázov, o senhor Rakítin: ‘A sensação de baixeza da queda é tão necessária a essas naturezas descomedidas, incontidas, como a sensação de suprema nobreza- e isso é verdade: são eles mesmos que necessitam dessa mistura artificial, constante e contínua. Dois abismos, dois abismos, senhores, em um só instante - sem isso somos infelizes e insatisfeitos, nossa existência não está completa. Somos amplos, amplos como toda a nossa mãe Rússia, comportamos tudo e a tudo nos habituamos!

Pág 783

Para mudar o mundo, é preciso que os homens mudem de vida. Enquanto cada um não for verdadeiramente o irmão do seu próximo, não haverá fraternidade.

Concebendo a liberdade como crescimento das necessidades e sua pronta satisfação, eles alteram sua própria natureza, pois dão origem a uma multidão de desejos insensatos, de hábitos e imaginações absurdas.

Mas não sabias que, mal o homem recusasse o milagre, logo recusaria também a Deus, pois o homem busca mais os milagres do que a Deus. E, como o homem não pode passar sem milagres, ele vai inventar novas maravilhas, dessa vez maravilhas humanas, e se curvar aos milagres do charlatão, aos sortilégios da feiticeira, às magias dos rebeldes mil vezes hereges e sem Deus.

Penso que, se o diabo não existe… se ele foi criado pelo homem… o homem fez o diabo à sua imagem e semelhança.

Pag 278

pag 268


Novas Palavras

  • iurodiv (юродивый | yurodivy): Santo Louco. “santo” que age intencionalmente de forma tola aos olhos dos homens. https://en.wikipedia.org/wiki/Foolishness_for_Christ
  • Copeque: moeda divisionária que representa a centésima parte do rublo, unidade monetária oficial da Federação Russa e do Tadjiquistão.
  • Supliciar: torturar, punir
  • Comedir: conter-se
  • Esmorecimento: desanimo, diminuição de força
  • Imiscuir: Colocar junto, misturado; juntar-se a
  • epitáfio: frases escritas sobre túmulos e mausoléus para homenagear os mortos que ali estão sepultados
  • sine qua non (condição): sem a qual não
  • vivos voco (“Conclamo os vivos”, em latim)

Personagens

  • Fiodor Povlovich Karamazov (O Pai)
  • Adelaide Miusov (Primeira esposa de Fiodor, mãe de Dmitri)
  • Dmitri Karamazov (Filho 1)
  • Aliocha Karamazov (Filho 2)
  • Ivan Karamzóv (Filho 3)
  • Miússov
    • Parente da mãe de Dmitri, cuidou de Dmitri por um tempo
  • Stárietz (O Monge)
  • Rakitin
    • Amigo de Aliosha?
  • Grigori
    • Criado de Fiódor Pávlovitch
  • Marfa
    • Esposa de Grigori, criada de Fiódor Pávlovitch
  • Smierdiakóvi
    • Filho de Lizaviet e (possivelmente) Fiódor Pávlovitch
    • Criado de Fiódor Pávlovitch
  • Lizavieta Smierdiáschaia
    • Iuródiv da cidade
  • Maksímov: um proprietário de terras
  • Kalgánov: Sobrinho de Miússov