Autor: Hermann Hesse


Demian

Vejo que pensas mais do que podes exprimir. Mas vejo também que nunca viveste completamente aquilo que pensas, e isso não é bom. Somente as idéias que vivemos é que têm valor ~ pag, 70

Falamos em demasia — disse ele com gravidade desacostumada. — As palavras engenhosas não têm qualquer valor, absolutamente nenhum. Só conseguem afastar-nos de nós mesmos. E afastar-se de si mesmo é um pecado. É preciso que se saiba encerrar-se em si mesmo, como a tartaruga ~ pag 72

Ainda me lembro como as lágrimas me saltaram aos olhos ao sair do café num domingo pela manhã e ver uns meninos que brincavam pela rua, radiantes, limpos, bem penteados e com roupas domingueiras. Assim, enquanto divertia meus amigos e às vezes os assustava com meu incrível cinismo, entre risos bêbados, diante das mesas sujas dos cafés de baixa categoria, conservava em meu coração um respeito oculto por tudo aquilo que conspurcava com meus ditos, e em meu interior permanecia ajoelhado e chorando diante de minha alma, diante do passado, diante de minha mãe e diante de Deus.

Voltei a estar sozinho e recuperei o gosto pela leitura e os longos passeios silenciosos.

Por aqueles dias iniciara uma leitura que me impressionou como nenhuma outra antes. Mesmo depois, pouquíssimas vezes vivi tanto um livro; talvez só Nietzsche. Era um volume de Novalis, de cartas e sentenças

Deve haver nisso alguma beleza: a exaltação báquica… Mas acho que as pessoas que vivem todo o dia nas tabernas já perderam por completo essa exaltação. Tudo se transforma num hábito e, a meu ver, dos menos requintados. Uma noite de verdadeira embriaguez e orgia, á luz dos archotes, isso sim!…Mas passar a vida sentado diante de uma mesa, tragando copo após copo, que pode haver nisso? Podes imaginar Fausto por acaso sentado noites e noites em tertúlias de café?

A ave sai do ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem que destruir um mundo. A ave voa para Deus. E o deus se chama Abraxas.

Era errôneo querer novos deuses, era completamente errôneo querer dar algo ao mundo. Para o homem consciente só havia um dever: procurar-se a si mesmo, afirmar-se em si mesmo e seguir sempre adiante o seu próprio caminho, sem se preocupar com o fim a que possa conduzi-lo. Nietzsche